Paralelo entre às histórias de Lolita e a garota de 10 anos de idade

Escrito por: Letícia Nunes


(Lolita, filme de 1997)


Lolita, obra de 1955 produzida pelo escritor russo-americano, é um marco na história da literatura pela sua narrativa poética, vislumbrante, e apaixonante que descreve uma estória de violência, estupro e pedofilia. 

O discurso hipnótico, por vezes, leva alguns leitores a classificarem o livro como um romance. No entanto, para aqueles que se preocuparam em atentar-se às entrelinhas sabe que 'Lolita', no fim, trata-se, na verdade, de uma dramática tragédia. 

Para quem leu o livro sabe que, mesmo com muito esforço, é dificílimo se esquivar do fato de que o protagonista, Humbert Humbert - um escritor e intelectual - não se trata de um 'mocinho apaixonado' como é de costume em uma obra de romance. Pois, o próprio personagem reforça - em vários momentos - de que ele se trata de um pedófilo.

Humbert Humbert ainda confessa sua atração por meninas entre 9 até 14 anos de idade, e usa como  justificava uma frustração amorosa que obteve na adolescência, deixando a entender que a experiência  "traumática" do rompimento do relacionamento amoroso com o seu primeiro amor  tenha desencadeado esse peculiar fascínio por corpos infantis.

O egraçado é que, mesmo confessando sua posição de culpado, criminoso e pedófilo, Humbert Humbert, ainda tenta conquistar o leitor através das suas artimanhas narrativas, a fim de tentar desfocar o foco em culpa para o 'amor' que sente pela vítima, sua enteada Dolores Haze 

É nesse ponto, inclusive, que enxergo semelhanças entre a estória de 'Lolita' com o triste caso real da garota de 10 anos que repercutiu durante toda a semana, gerando debates, manifestações e incredulidade.

O filme que conta o caso real da garota de 10 anos se passa em Espírito Santo, estado da região sudeste do país, onde a vítima - na qual vou chamar de 10 - vivia em uma mesma casa com a mãe, o avô, e o tio. 

O fato da menina morar com parentes deveria ser só uma informação adicional, e até normal. No entanto, nesse caso, isso se torna crucial, pois o fato de viver em uma mesma casa com o criminoso facilitou a execução das ações do parente pedófilo.

Humbert Humbert, o personagem principal da estória de 'Lolita', também vivia na mesma casa com  Dolores, a vítima. Com isso, da mesma forma que ele se aproveitava do ambiente familiar e residencial para violentar 'Lolita', esse tio, personagem da nossa história real , também fazia uso dos mesmos critérios para se aproveitar de 10. 

A primeira comparação que faço aqui entre ambas às situações parece não ter sentido no primeiro momento. No entanto, penso que, da mesma maneira que Humbert Humbert faz com quê os leitores desenvolvam uma certa 'empatia' para com ele, o tia criminoso - acho que vou chamá-lo assim de agora a diante - também faz. 

Após alguns dias da repercussão do caso da garota 10, o tio criminoso grava um vídeo antes de se entregar a polícia, dizendo que, apesar de estar disposto a submeter-se aos exames clínicos, gostaria de sugerir a polícia que examinassem também o avô de 10, por ele também morar na mesma em que o crime ocorreu no decorrer de quadro anos. 

De alguma forma, seria esse, um discurso usada na tentativa de, talvez, desviar-se um pouco do papel de pedófilo e culpado pelo crime. 

'Lolita' e 10, para mim, contém outros pontos em semelhança para além dos citados. Em exemplo, o desfoque da tema central: pedofilia. Na estória de 'Lolita', a obesseção mascarada de 'amor' de seu padrasto, no caso o Humbert, faz parecer que toda a violência sofrida pela vítima não seja completamente e claramente, reconhecida. 

No caso de 10, foi mais complicado. Uma vez que  se trata de vida real, logo entendesse que não há espaço para interpretação das entrelinhas. Sendo assim, a vítima 10 não só sofreu por quadros anos pelos abusos do tio, como também engravidou. 

A consequência do crime foi o que levou o caso para mídia, pois a 10 e sua família recorreu a justiça para conseguir uma liberação para realizar um aborto legal. E aí, está o principal ponto de desfoque.

Veja, o tio criminoso nem precisou de palavras bonitas ao gravar o vídeo ao se entregar e 'assumir' o crime como Humbert faz no livro, porque, o que os telespectadores da história real levaram em consideração mesmo, foi o fato da garota realizar um aborto. 

Porque, como você deve imaginar, a culpa nem sempre recaí no criminoso.

E pasmem, em 'Lolita', a vítima também leva a culpa pela justificativa de ela, mesmo criança (presta atenção nesse fato), usa de seu 'charme' para provocar Humbert, e 10 3 uma criança "terrível" por "matar" um fruto de estupro...

Porém, apesar de tudo, existe uma diferença gritante entre 'Lolita' e 10 quando se trata do desfecho. 

No livro, a narrativa, na verdade, é um relato de Humbert após anos do acontecimento feita  enquanto ele está na prisão em espera de sua pena de morte. Inclusive, supõem-se que 'Lolita' está morta enquanto a estória e 'relembrada' por Humbert.

Enquanto isso, felizmente, na história de 10 não existe morte, mas sim, muita luta. Apesar de que foi preciso reunir um grupo de feministas para proteger a 10 de protestantes religiosos no momento em que ela se preparava para realizar o aborto que, por fim, foi um sucesso.

E com isso, fico feliz que, apesar de toda a tempestade, 10 poderá ter um momento de recomeço. Porém, em mesma medida me entristeço toda vez em que lembro que 'Lolita' apenas teve um fim.

Postar um comentário

0 Comentários